A Bolha do "Tá-Tá-Tá" no País Chamado "Ti-Ti-Ti"

Publicado 16.09.2013, 13:41

Em 1920, no longínquo país chamado "Ti-Ti-Ti" , um sujeito de nome Esterobaldo havia contraido uma doença que o impedia de executar tarefas básicas do dia a dia.

Essa doença o atingira 7 anos antes; desde então, Esterobaldo havia percorrido todo o país à procura de médicos e crenças que pudessem ajudá-lo na cura.

Tudo em vão.

Esterobaldo já havia perdido as esperanças quando um de seus vizinhos havia dito que passara pelos mesmos problemas e que, depois de beber o tal do "Tá-Tá-Tá" por apenas 7 dias seguidos, sua melhora era gritante; na verdade, decorridos 18 meses, a doença parecia ter sumido.

"Mas que "Tá-Tá-Tá" é esse"?, perguntou já aflito Esterobaldo.

"Não conhece o Tá-Tá-Tá" ?", respondeu e perguntou ao mesmo tempo, seu vizinho.

"Aquela bebida adocicada que vende na mercearia da esquina", voltou a dizer seu vizinho.

Esterobaldo correu para a mercearia e, por 7 dias seguidos, tomou a bebida.

Após 15 dias, os sintomas da doença de Esterobaldo desapareceram. Cerca de 2 meses depois, ele carregara a certeza que a bebida era um santo remédio.

E, a cada pessoa com quem conversava e apresentava s sintomas da mesma doença que o atingira, Esterobaldo alardeava o milagre da bebida.

Rapidamente a fama da bebida tomou a capital de "Ti-Ti-Ti" e se espalhou por todas as suas grandes cidades; Menos de 2 anos depois, as cidades do interior também consumiam o tal do "Tá-Tá-Tá". Afinal, o produto era um verdadeiro milagre.

No entanto, "nem tudo eram flores".

A cada mês que passava, o preço do "Tá-Tá-Tá" subia mais e mais. Todos queriam o seu poder milagroso.

E isso não era tudo. O "Tá-Tá-Tá" parecia rejuvenescer os idosos.

Sim.

Idosos na casa dos 60 anos, já acometidos pelas mesma doença de Esterobaldo, tomavam a bebida e, não somente melhoravam, como pareciam se apresentar mais dispostos.

A fama do "Tá-Tá-Tá" explodiu, além de milagroso, ele se revelara "a fonte da juventude".

Por outro lado, o preço do "tá-tá.tá" continuava a subir; de 8 merrecas a unidade, o produto saltara para 150 merrecas em apenas 2 anos.

Pra se ter idéia do que isso representava, o salário-mínimo em "Ti-Ti-Ti" era de 1.500 merrecas mensais.

Alguns pequenos investidores e comerciantes do pequeno país de "Ti-Ti-Ti" começaram a ver ali uma oportunidade de negócio.

Alguns desses indíviduos obtiveram, pelas mais diversas razões, acesso a fórmula mágica do "Tá-Tá-Tá", e então começaram a fabricá-lo; outros, menos abonados, fecharam outros empreendimentos e se dedicaram a vender tão somente o "Tá-Tá-Tá".

Em menos de 10 anos, o país todo praticamente se voltou a produção e comercialização de "Tá´Tá-Tá".

O produto alcançara preços inimagináveis de 25.000 merrrecas, quase 17 vezes o salário-mínimo do país. O povo se endividava na esperança de obter a cura para a doença e ao mesmo tempo a fonte para a eterna juventude.

Uma verdadeira bolha.

80% do PIB do país estava naquela altura do campeonato nas mãos do "Tá-Tá-Tá".

Depois de 80 anos, o produto de fato revelara-se ser a "pedra filosofal" da vida eterna; todos que conseguiram consumi-lo por um tempo, ainda estavam vivos , lúcidos e "joviais".

Nada deteve a bolha do "Tá-Tá-Tá", nem mesmo o fato de 80% do país estar atrelado ao produto.
Comprar 1 garrafa de "Tá-Tá-Tá" custava agora 50.000 merrecas


A História acima é fictícia, porém, vale como régua para balizarmos e contestarmos inúmeros mitos acerca de certas questões.

A mais próxima, diz respeito a Bolha Imobiliária e suas nuances, impactos e seus sintomas.

E é do sintoma que quero me ater.

Corre no Brasil o argumento quase que natural e imediato de que aqui, na República das Bananas, não vivemos uma Bolha Imobiliária, pois o percentual do crédito imobiliário seria baixo em relação ao PIB, diferente de alguns países que vivenciaram uma Bolha no mercado de imóveis, principalmente o mercado americano.

Dizem os "especialistas brasileiros" que Nos Estados Unidos, sim !, a Bolha era certa, já que a relação crédito imobiliário / PIB era altíssima.

Engraçado........Esses mesmos "especialistas brasileiros" só esquecem de dizer, ou não sabem mesmo, que Ben Bernanke, até então conselheiro econômico da CASA BRANCA, afirmara antes de assumir a Presidência do Banco Central Americano, pouco antes de estourar a Bolha, que o mercado de imóveis nos Estados Unidos era coerente com a solidez de vários dados apresentados até aquele momento pela maior Economia do planeta.

Abaixo, o estágio em que nos encontramos na relação "Saldo Operações Crédito ao Setor Imobiliário / PIB":

credito imobiliario / PIB Brasil
Fonte: Banco Central do Brasil


Não é desprezível o aumento; saímos ali de um patamar de 1,75 em 2007 para um patamar de 8% em relação ao PIB BRASIL, mas ainda longe de um número alto.

Mas, façamos um PACTO aqui.......

Toda hora em que alguém, seja ele um "especialista brasileiro" ou corretor, vier com esse argumento, entreguem a eles todos os livros do filósofo KARL POPPER.

É claro que eles não irão ler.......Mas TENTEM.....

Popper, intrigado, entre outras questões, com o Problema da Indução de David Hume, outro grande filósofo, e preocupado em "demarcar a Teoria da Ciência", se utiliza de um dos mais brilhantes recursos de toda a história da Filosofia Antiga e Moderna, a chamada "FALSEABILIDADE".

"Tentava" dizer ele em sua Teoria da Falseabilidade ou Falibilidade":

"Não importa quantas vezes uma Teoria possa ser "afirmada", ou em outras palavras, "não importa quantas vezes os dados "afirmem e corroborem a Teoria Científica."

"Basta um só dado para falseá-la"

Entenderam a diferença ?

"Em outras palavras, a Teoria Científica se sustenta por meio de várias e várias e recorrentes observações; no entanto, basta uma observação para "desmontá-la" ou, dentro do contexto da Teoria de Popper, "falseá-la"."

A tese de que todo Cisne é branco se mostrou verdadeira até o dia em que foi encontrado um Cisne Negro, não é mesmo ?

Não me importa que o Brasil não tenha a mesma alta relação crédito imobiliário /PIB do que os Estados Unidos ou outros países que vivenciaram Bolhas Imobiliárias que produziram o "estouro" em seguida.

O Fato do Brasil ter uma baixa relação "CRÉDITO IMOBILIÁRIO / PIB" não me convence, não me afirma e não me garante "coisa nenhuma" de que o Brasil não vive uma "BOLHA IMOBILIÁRIA".

Como vimos na história fictícia acima, se estamos diante de um produto que simplesmente nos entrega a juventude eterna, como o "Tá-Tá-Tá", podemos chegar a uma relação de 80% ou mesmo 100% do PIB, que a suposta bolha não estoura.

Simples assim...........

Não é uma questão de "crédito imobiliário / PIB" que vai me deixar longe da "Bolha"

Continuemos "desenhando" texto, resgatando correlações, evidências e dados que nos tragam pra perto da Bolha Imobiliária Brasileira, e não para longe.

Abaixo, nós vamos comparar o principal indicador de preços dos imóveis dos EUA, o"índice CASE-SCHILLER", com o recente "índice IVG-R", abreviação de Índice de Valor de Garantia de Imóveis Residenciais financiados , um índice que busca se consolidar no longo prazo como o principal espelho do mercado de imóveis residenciais do Brasil.

O Gráfico do "índice CASE-SCHILLER", que engloba 120 anos, está deflacionado pela inflação americana.
O IVG-R publicado pelo Banco Central do Brasil, que abrange 12 anos e 11 regiões metropolitanas, não está deflacionado pela inflação.

Indice Case-Schiller - período 120 anos

indice case-schiller
Fonte: multpl.com

Índice IVG-R

indice IVG-R

Fonte Banco Central do Brasil

No caso brasileiro, vamos focar os últimos 6 anos, de 2007 até hoje, já que o impacto da inflação torna-se menos agressivo; afinal estamos falando de metade do índice.

Dentro desse contexto, podemos ver que, de 2007 pra cá, sem o impacto da inflação brasileira, o IVG-R salta impressionantes 230%, isto é, em apenas 6 anos o mercado imobiliário brasileiro avançou quase 4 vezes mais do que o mercado americano em 7 anos.

Abre-se um parênteses para que possa registrar que o índice FIPE-ZAP não passa muito longe desses números quando fala de RJ e SP.

De jan-2008 pra ago-2013, o índice FIPE-ZAP crava 220% de aumento para o mercado do Rio de Janeiro e 190% para o mercado de São Paulo.
Com espetacular avanço de preços, poderíamos supor que o brasileiro médio anda ganhando muito bem, não é ?

Hum.....será ?

Vamos ao rendimento médio real efetivo das pessoas ocupadas no Brasil (público e privado)

rendimento real pessoas ocupadas
Fonte: Banco Central do Brasil


Hum....um rendimento de 25% em 10 anos ?
Entretanto, quando separamos os segmentos público do privado, percebemos que o ganho maior recaiu sobre o setor público.
Ou seja, além do valor absoluto ser, na média, superior ao do privado, o ganho real é maior para o setor público do que para o setor privado.
Nem assim, nada que possa passar perto de, por exemplo, 50%

rendimento real publico e privado separados
Fonte: Banco Central do Brasil


Tá difícil entender como os preços dos imóveis chegaram aos níveis atuais ?

Pois é.....

Parece que, se olharmos a tabela apresentada pelo próprio Banco Central do Brasil acerca das simulações de um financiamento imobiliário, a coisa ficará mais difícil.

Vamos lá.

No paper apresentado pelo Banco Central do Brasil e que pode ser visualizado no link que deixo no meu blog (aqui, não consigo deixar links), temos acesso a uma simulação de financiamento imobiliário que deveria se ajustar ao "comprador médio", dadas as condições impostas na tabela que passamos a reproduzir parcialmente abaixo. Diga-se rapidamente, que a tabela apresentada pelo BACEN se mostra mais cautelosa do que a TABELA PRICE utilizada pelo maior parte dos bancos brasileiros, com compromentimentos de renda em torno de 30%, por exemplo, e prazos mais próximos a 30 anos.

Mas, vamos a tabela do Banco Central:

TAXA DE JUROS: 10%
FINANCIAMENTO: 80% DO PREÇO
SISTEMA DE AMORTIZAÇÃO E PRAZO DE AMORTIZAÇÃO: SAC /25 ANOS
COMPROMENTIMENTO DA RENDA: 25%

RENDA FAMILIAR PREÇO MÁXIMO

2.000 53.571
3.000 80.357
4.000 107.143
5.000 133.929
6.000 160.714
7.000 187.500
8.000 214.286
10.000 267.857

"De cara", já tomamos algum susto, concordam ?
Tem algo errado.....parece, não é ?
Do ponto de vista de cálculo, nada errado.......coloquei os dados numa HP12-C e os números são esses....
Ou seja......25 anos ou 300 meses pra pagar, taxa de juros 10% ao ano, e 25% de comprometimento da renda para cada patamar de renda acima listado.

Será que eu compro hoje alguma coisa com esses valores no Rio de Janeiro e São Paulo, por exemplo, os 2 maiores mercados do país ?

Por volta de 2007, conversava com uma amiga paulistana, moradora do bairro de Jardim Marajoara, na Zona Sul.
Papo vai, papo vem e lá estava ela reclamando do bairro; para ela, Jardim Marajoara era o "fim do mundo".
"Fim do mundo"?, retruquei.......
"É porque você não conhece o bairro do Recreio, no Rio de Janeiro.....aquilo é o "fim do mundo"..

"Paulistano reclama de tudo", complementava eu.........."Vocês têm disparado o melhor metrô do Brasil, têm as melhores rodovias estaduais do Brasil no seu entorno, as melhores cafeterias do Brasil e vivem reclamando", voltava eu a enfatizar (apenas uma brincadeira de um carioca que adora São Paulo para uma paulistana).....

"Jardim Marajoara fica um pouco antes de Interlagos, subindo a Avenida Washington Luis, próximo de Chácara Flora, Alto da Boa Vista e 5 minutos depois da Av.Vicente Rao.......isso não é longe, não !", exclamava eu...

Bom.......em 2007, um bom apartamento de 2 quartos em Jardim Marajoara, um bairro de classe média de São Paulo, custava cerca de R$ 90 mil .

Procurei agora no ZAP IMÓVEIS apartamentos localizados no Jardim Marajoara e que estivessem entre "0" e R$ 250 mil..

Sabem quantos eu achei ? 8 Imóveis apenas !!! todos de 2 quartos.

Se você andar no Rio de Janeiro, o cenário é ainda mais desafiador; terá dificuldade de encontrar um simples imóvel de 1 quarto na Tijuca, um bairro de classe média-alta por R$ 250 mil, assim como a mesma dificuldade em encontrar um imóvel de 2 quartos pelos mesmos R$ 250 mil em bairros de classe média baixa, como Cachambi

Vamos voltar a tabelinha que o Banco Central do Brasil me mostra.

Hum.......segundo o BACEN, apenas quem ganha a "bagatela" aproximada de R$ 10 mil reais pode arcar com um financiamento de um apartamento de R$ 250 mil.

Quem ganha R$ 10 mil no Brasil ?

Isso pra morar num apartamento de 2 quartos em Jardim Marajoara, próximo de Interlagos ou num apartamento de 35 m2 no bairro da Tijuca , no Rio de Janeiro.

Acreditam nisso ?
Um pai de família no eixo RJ-SP que ganha R$ 10 mil não tem muitas opções à sua frente.

Não sou quem está dizendo...
É o próprio Banco Central do Brasil que sinaliza tais patamares.

Algo não bate lá na linha de frente dos financiamentos.

Eu passei por 3 pontos até aqui pra nos aproximarmos da Bolha Imobiliária Brasileira.
Eu já passei por outros pontos em outros textos, aqui, e no meu blog; falei de como os IPO'S das Construtoras tiraram os preços dos imóveis no Brasil da inércia em 2006-2007 e 2008.

No gráfico mais acima, o terceiro, fiz questão de registrar novamente e escrever "boom dos IPO'S"

O texto já se revela grande o suficiente para refletirmos mais e mais.

Por outro lado, é preciso dizer o seguinte.

Estão fazendo as perguntas erradas.
Estão caminhando por estradas erradas.


"Ah......o crédito aqui é muito baixo em relação ao PIB"....
Isso revela-se simplório demais diante de outros aberrantes sinais.

"Como os preços subiram cerca de 230% em apenas 6 anos, aproximadamente 3,5 vezes ?"
"O que aconteceu pra chegarmos a tamanha e espetacular alta?"
"O que vamos fazer pra iludir ou ampliar a aberração ? Esticar os financiamentos pra 40 anos, 50 anos, 60 anos ?Somar o rendimento com o tio, a tia, o vizinho e a irmã ?"
"Quem continua a financiar de forma agressiva, mesmo depois da Economia Brasileira percorrer 12 meses de fortes turbulências internas?"
"São os bancos públicos, especialmente, Banco do Brasil e CAIXA, que continuam financiando de forma agressiva os imóveis atuais?"
"De onde vem o funding dos bancos públicos para impressionante financiamento em um cenário turbulento como o atual?"
" E se a banda parar de tocar nos Estados Unidos, e o FED "zerar" o Quantitiative Easing e subir a taxa de juros, movimentos iminentes dada a disparada nos últimos 3-4 meses dos treasuries americanos de 10 anos?"
"Como as agências de classificação de risco verão o Brasil e os bancos públicos se a música parar de tocar lá fora ?"
"Tem PROER para as construtoras brasileiras ?"

Façam as perguntas certas.............

O Brasil não é "TI-TI-TI"; muito menos os imóveis brasileiros são o "Tá-Tá-Tá"






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